Critica-se a democracia por causa de quem vota. Essa crítica segue uma linha de raciocínio segundo a qual a maioria dos votantes é burra, vota irrefletidamente e, por isso, escolhe sempre os piores candidatos. A linha de raciocínio conclui que, porque os votantes são burros, a democracia não funciona.

Quem defende que o votante médio é burro, diz que o votante médio não é capaz de produzir raciocínios logicamente correctos ou que comete errox ortogaficos. Raramente o defensor desta ideia a verifica minuciosamente (socorrendo-se de sondagens bem feitas, por exemplo) limitando-se a aduzir casos anedóticos. Esta forma de proceder, que me disseram chamar-se “generalização apressada”, parece-me de uma burrice tão grande quando aquela que pretende ser imputada ao votante médio.

Outra maneira de chamar burro ao votante médio é dizer que este se esquece das trapalhadas que os políticos fizeram no passado (e por isso não os castiga, retirando-lhes o voto); ou dizer que é facilmente impressionável e que é seduzido por coisas supérfluas, como frigoríficos de borla, subidas ligeiras nas reformas, etc. Se assim for, o votante médio não é burro, é esperto: reage de acordo com o seu interesse imediato. É mais saudável, digo eu, dar o voto a um político que promete um aumento de 15 euros na reforma do que a um político que promete o crescimento da economia e a afirmação do país como uma potência mundial. 15 euros compram coisas no supermercado; as outras promessas compram o quê?

Além disso, pode acontecer que o votante médio goste de pessoas trapalhonas, desorganizadas e estabalhoadas. Nesse caso, vota nos políticos que gosta. Não se trata de o votante médio ser burro; tem, simplesmente, um gosto diferente do gosto dos que lhe chamam burro. E o que se diz por aí é que os gostos não se discutem.

Quem diz que o votante médio é burro deixa implícito que há uma postura certa relativamente ao voto, postura essa que não é seguida pelo votante médio. Quem diz que o votante médio é burro, di-lo por oposição a si mesmo: se os outros são burros, então quem aponta o dedo aos outros não o é. Mas isto quer dizer que quem aponta o dedo está investido de uma Certeza Maior (CM), a certeza acerca de qual é o melhor rumo que se deve dar à sociedade. Aparece então uma frustração em quem tem uma CM, frustração essa que deriva de não encontrar, junto dos concidadãos, uma maioria que aceite essa, e só essa, CM. Para lidar com a frustração, os possuidores da CM desqualificam quem não aceita a sua CM, chamando-lhes burros, e dizendo, e passo a citar, “deveria haver uma carta de condução para o voto”, que é uma maneira suave de dizer “isto deveria ser uma oligarquia e eu deveria ser um oligarca”.

Mas, como alguém dizia, o voto, em democracia, serve apenas para tirar à sorte quem fica com o poder nos próximos anos. É um processo que introduz alguma aleatoriedade na atribuição do poder. E para introduzir aleatoriedade, bastam seres imprevisíveis, não são precisos seres inteligentes.