O melão é um fruto social. Alguém que coma um melão sozinho, de uma assentada, é raro encontrar; mesmo que se trate de um melão pequeno. Quando alguém compra um melão sem o propósito de o partilhar, o que acontece é que come uma ou duas fatias e depois guarda o resto para os dias seguintes. Mas guardar fruta para comer mais tarde tem sabor a derrota. A fruta, em geral, come-se de uma assentada. Uma maçã come-se toda, assim como a pêra e a laranja; figos, come-se sempre mais do que um, cerejas e uvas também. Já o melão, com o seu tamanho mastodôntico, é demasiado grande para ser comido a solo de uma só vez. O melão exige trabalho em equipa: vários aparelhos digestivos, mais ou menos em simultâneo, a digeri-lo. Quando essa cooperação não se verifica, o melão ganha: fica a olhar para nós, meio comido, com as entranhas pevidentas à mostra, quase como alguém a quem acabamos de dar uma surra e que, mesmo todo mutilado, nos olha, sorrindo, a dizer “É só isso que tens para dar? Não doeu nada”.

O melão é um fruto superior e é difícil resistir-lhe. Suculento, carnudo e doce, o melão proporciona uma experiência de degustação muito prazerosa, além de que, nutritivamente, deve ser bom. Mas ter que comprar um melão e guardar 7/8 do mesmo no frigorífico para ir comendo ao longo da semana seguinte é desanimador. É a tal sensação de derrota. Abre-se o frigorífico e lá está o melão, com aquela cara de que falei. (Como a suculência do melão vai escorrendo e criando uma pocinha de sumo na prateleira do frigorífico, fica mesmo a parecer que o melão meio-comido está a fazer pouco de quem não o conseguiu comer.) Ainda para mais, ir buscar o melão ao frigorífico para o continuar a comer torna-se progressivamente menos desejável à medida que ele vai sendo comido. No dia seguinte à primeira dentada, o melão ainda conserva a frescura e a turgidez, mas quando já só falta 1/9 do melão, perde-se o interesse. Nesta fase, o melão já está meio mole, as secções expostas da polpa ficam secas mais rápido, a doçura inicial dá lugar a um cheiro meio azedo e um pouco repugnante. Chegados aqui, é comum que o melão que resta fique a vegetar mais uns dias no frigorífico, ignorado, enquanto frutos comprados mais recentemente vão sendo comidos. Quando se torna impossível ignorar aquela última fatia mirrada e decrépita, ela é atirada, com nojo, para o saco do lixo. (Se o saco do lixo demorar a ser levado para o contentor, é garantido que o sumo de melão vai percolar pelo lixo e atingir o fundo do caixote, criando uma viscosidade perturbadora.)

Resumindo: o melão é óptimo, mas deve ser comido de uma assentada, ou seja, por um grupo. Melão aberto e por comer causa embaraço. Finalmente, melão que não se come logo, acaba a ser desperdiçado.