No final de uma manhã de sábado, o meu pai extraiu um cilindro de cera do ouvido. Esteve, desde as 9h, a lançar água quente para o ouvido direito usando uma pêra de sucção que o meu tio trouxera de Espanha. Quando finalmente o cilindro de cera deslizou pelo canal auditivo externo do meu pai (o que aconteceu por volta das 11h30), ele deixou-o no fundo da banheira e foi para a sala de estar. Lembro-me da brancura da banheira e do contraste que fazia com aquela escultura acidental da cor do âmbar.
Ao almoço falamos sobre o cilindro de cera, que ainda estava no fundo da banheira, onde o meu pai o tinha deixado. Depois do almoço, o meu pai ia sair para ir ao café. Ainda estava sentado à mesa, a acabar um cigarro, quando lhe surgiu um dilema: queria partilhar o feito extraordinário com os amigos, levar o cilindro de cera dos ouvidos em folha de alumínio para lhes mostrar no café. Mas tinha receio que achassem que ele não era asseado. “Então tu não limpas os ouvidos? Ahahahah.”. Por um lado queria celebrar uma conquista, mas essa celebração implicava partilhar algo que era nojento. Como lidar com isto?
O meu pai decidiu não contar nada a ninguém, atirar o cilindro de cera para a sanita e devolver discretamente a pêra de sucção ao meu tio. A lição desse fim-de-semana foi que as conquistas que não são partilhadas têm pouco sabor.