Oiço com frequência dizer-se “E aquelas pessoas que fazem assim e assado? Que nojo!” ou então “Irritam-me aquelas pessoas que dizem que não fazem isto. Como se isso fosse possível…”. A minha dúvida é: quem são essas pessoas? Quem são as pessoas de que se fala? São um grupo bem identificado? O Instituto Nacional de Estatística contou-as?
Após uma investigação paciente, parece-me que a maior parte das vezes são só duas pessoas e depois há alguém que generaliza para dar corpo a um queixume. É muito diferente dizer “O Emanuel irrita-me quando mete o dedo mindinho no ouvido para tirar cera” de dizer “Irritam-me aquelas pessoas que metem o dedo na ouvido e tiram cera”. A segunda formulação faz parecer que o queixoso está a queixar-se de muitas pessoas, quando na verdade só se queixa do Emanuel, que é a única pessoa que viu a fazer aquilo. Mas ao falar de “aquelas pessoas”, o queixoso está a colocar-se não só na posição de crítico social (pois produz um enunciado sociológico, desenhando um perímetro em torno de um grupo de pessoas), como na posição de alguém ponderado e sensato: quando toma a palavra para se queixar, queixa-se de muita gente, de um fenómeno, e não apenas de uma ou duas pessoas que viu na rua.
O que poderia ser um mero mexerico, um queixume de vão de escada (a queixa sobre o Emanuel e os seus hábitos de higiene do ouvido) torna-se numa teoria, num tema académico. Num abrir e fechar de olhos, começa-se a falar nos malefícios de tirar cera dos ouvidos, que “lá fora”, onde as pessoas são civilizadas, ninguém tira assim cera dos ouvidos, e termina-se a dizer que Portugal é um país de selvagens. Tudo porque o Emanuel limpa os ouvidos com a unha.
O Emanuel veio depois dizer-me que só faz isso de vez em quando, por distração.