Na escola, eram raros os colegas que me deixavam copiar os trabalhos de casa. Quando eu pedia a alguém para o fazer, acontecia uma destas coisas:

  1. olhavam para mim com desdém, dizendo que se eu não fizesse os trabalhos de casa, não ia aprender e por isso ia tirar negativas e trabalhar nas obras;

  2. resistiam um pouco, diziam que fazer os trabalhos de casa é importante e que só me deixavam copiar daquela vez;

  3. ofereciam-se para me ajudar a fazer os trabalhos de casa no recreio, mas não me deixavam olhar para os seus trabalhos de casa. Eu nunca aceitava a ajuda, já agora. Eu queria copiar trabalhos de casa, não queria um explicador sem qualificações;

  4. deixavam-me copiar sem levantarem questões. Apontavam para a mochila, diziam que podia tirar de lá o caderno e pediam para o colocar de volta, no mesmo sítio, quando tivesse acabado de copiar.

Nunca, em tantos anos de escola, houve alguém que, voluntariamente, me viesse oferecer os seus trabalhos de casa para eu poder copiar. Nunca ninguém veio ter comigo a dizer “Olha, eu fiz os trabalhos de casa ontem e tenho aqui o caderno. Queres copiar os meus trabalhos de casa?” Outra coisa que também nunca aconteceu, foi aparecer alguém que dissesse “Copia os teus trabalhos de casa por mim, eu sei que vai ser bom para ti. Repara, eu tenho boas notas, eu sei resolver os problemas que foram colocados na aula, eu sou um aluno participativo. Copia por mim, a tua vida vai melhorar. Não tens que andar no recreio a pedir a toda a gente para te deixar copiar, isso é humilhante e levanta suspeitas. A professora fica a saber que andas a copiar. Copia os meus trabalhos de casa, sem problema. Fazes isso com calma, sem stress, e ainda vais ter tempo para ir jogar futebol antes de tocar para dentro.” Repito, isto nunca aconteceu, e se acontecesse era suspeito.

O tempo passa e a hora do recreio, infelizmente, deixa de existir, os problemas que tínhamos que resolver nos trabalhos de casa convertem-se em problemas com o esquentador, a torneira da casa de banho que pinga, as bananas que ficaram com bolor, a falta de auto estima, o stress, resistir a comer um balde de gelado todas as noites. Para resolver este tipo de problemas, há imensa gente a insistir para copiarmos por elas. “Copiem por mim. Eu sei o que estou a fazer. Eu tenho tudo resolvido!” É esquisito. Qual é o interesse de um estranho em que eu resolva os meus problemas? Que fetiche é esse? Será que o estranho, ao saber que eu resolvi os meus problemas, recebe alguma coisa? Tipo, um orgasmo?

Aconteceu-me no outro dia. Andava cansado, coisas da vida. Alguém me diz “Estás com uma cara de cansaço.” E eu “É. Ando a dormir mal.” Logo a seguir, “Pah, tens que experimentar a meditação e umas vitaminas de raíz de cebola.” E eu “Porquê?” E o outro “Meu, para ficares melhor.” Nesta conversa, em momento nenhum eu pedi ajuda. Pode ser que eu esteja a sentir-me confortável como o meu estado de cansaço. Aliás, estou na boa; estou a viver uma fase; quero saber como é estar cansado.

Cresci a ver os meus colegas bem sucedidos a esconderem as suas estratégias vencedoras. O Armando tinha um primo que estava na Universidade e que o ajudava nos trabalhos de casa (fiquei a saber disto anos mais tarde), a Sara tinha explicações com uma amiga da professora de físico-química que lhe arranjava as perguntas dos testes uns dias antes dos testes (era um tema sensível que circulou em segredo), o Paulo tinha o livro de exercícios (com soluções) de onde o professor tirava as perguntas dos testes. Em nenhum destes casos os colegas partilharam a fonte do seu sucesso, a maneira como conseguiam dar a volta ao sistema e sair vencedores. Mas depois crescemos e, de repente, toda a gente quer partilhar as suas boas práticas para o sucesso. Toda a gente está interessada em convencer-me que a sua dieta, a sua rotina diária, o seu estilo de vida é o melhor e que é esse que eu devo adoptar. É estranho, é cansativo e eu não pedi isso; não quero saber.